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CAMPANHÃ

NAS

INQUIRIÇÕES DE 1258

CAMPANHÃ reparte-se, assim, por uma área coutada à Sé do Porto e uma outra área reguenga, envolvendo-a por Nordeste. Na centúria seguinte, as inquirições de D, Afonso III em 1258, mantêm tal quadro.

À medida que avançava a centralização administrativa, característica da Baixa Idade Média, tornava-se premente, para os reis, a necessidade de aumentar rendimentos, em géneros, e em moeda. Como impedir que os grandes senhores, leigos ou eclesiásticos, exorbitassem dos seus direitos, alargando-os, quer à custa dos direitos e das terras do rei, quer à custa de pequenos proprietários locais, dos «mesquinhos» que ninguém defendia? (1).

D. Afonso III, entre outros, envia agentes seus, três ou quatro, que percorrem o reino. Em cada local, convocam quem pudesse responder ao inquérito: o pároco, funcionários régios, notáveis do lugar, que faziam juramento sobre os Santos Evangelhos, salvaguardando-se, de parte a pane, o maior segredo.

Homens-bons do lugar, na posse portanto, de informações relativas a ilegalidades, abusos ou violências, não deixariam, incluídos numa rede de interesses e de influências locais, de ficar sujeitos a parcialidade na questão de direitos de amigos e de inimigos. Variável de zona para zona, o inquérito visava sobretudo um levantamento dos direitos e dos bens do rei e da Coroa.

De que constava esse inquérito? Pergunta-se de quem é a igreja, quem tem nela o direito de indicar abade, que lugares abrange, a quem pertencem tais lugar de que modo os tinham adquirido e, sempre, que direitos neles detém o senhor rei.

Recolhamos os dados que nos fornece a inquirição de D. Afonso III à «villa» Santa Maria de Campanhã, aos seus lugares e aos paroquianos da sua igreja(2).

Respondem o pároco João Gonçalves, D. Pelágio e D. Juliano.

São testemunhas D. Garcia e D. Romano, o cavaleiro Martinho Pedro, o clérigo Estevão Martins e Pedro Gonçalves.

Pane da «villa campaniana» está coutada à Sé do Porto, o que significa que nela não pode entrar o Mordomo do rei, que não recebe ali foro algum, Também não pertence ao rei o direito de apresentar abade na igreja de Campanhã: esse direito pertence a um leigo, proprietário da igreja (tal como da de S. Cosme Gondomar), o pretor D. Mendes Extrema, «filho do cavaleiro», que o herdara seus pais. Na área coutada são referidos quatro casais, todos da Igreja, presumir mente os atrás apontados.

A área foreira ao rei, chamada Gontemir (Contumil) inclui onze casais. Conhecemos o nome dos proprietários de seis deles, todos obtidos por herança: Vicente João, cónego do Porto, Estevão Raimundo e seus irmãos, Maior Pelágio Pedro Afonso, pretor do Porto, o cónego Martim Mendes Bicos e também Bispo do Porto.

Ainda em Contumil, além dos casais referenciam-se três lugares: «Saa», lugar regalengo, descrito como «um grande campo e uma grande mouta vedada» concedida vitaliciamente («in prestimonio») ao juiz de Gondomar; e os 2 lugares «Palos» e «Pressa», com uma leira cada.

No campo e nas leiras trabalham «homens» de Campanhã que dão «a Terça quarta e a quinta» de todos os frutos, que pagam de eirádega quatro quairas(3) milho e de centeio e ainda 5 soldos e meio de renda anual ao senhor rei.

Os restantes cinco casais de Contumil, também regalengos, estão assim distribuídos: dois no lugar de Filcunea («loco filcunea»), dois no lugar de Luneta e um casal em Azevedo. Todos pagam ao rei foro idêntico ao acima citado, em dinheiro e em géneros.

Não moravam em Contumil homens foreiros ao rei, nem homiziados.

É possível que se possa relacionar a área de Contumil de ocupação mais antiga, com as propriedades de «herdadores», que receberam as terras de seus pais. Trata-se de um grupo social destacado, que exerce funções de grande prestígio na cidade: o pretor do Porto, dois cónegos do Cabido, e o próprio Bispo.

Pelo contrário, as zonas de ocupação periférica são terras do rei. Parte delas foi concedida vitaliciamente ao juiz de Gondomar, outra pane é explorada por anónimos moradores de Campanhã em troca de foros conhecidos: milho, centeio, moeda.

As características da paisagem, em meados do século XIII, pouco se terão alterado em relação aos séculos anteriores: terras de cereal, bosques e matos... Assim, o povoamento intensificou-se, as clareiras dos campos cultivados multiplicam-se ao ritmo da população.

A referência a 15 casais em Campanhã, conjuntamente na área do couto e na área reguenga, sugere-nos uma estimativa de, pelo menos, 75 pessoas (4), certamente moradoras dentro da área coutada, como parece poder depreender-se das Inquirições de 1258. Mesmo fora do couto, são os senhores eclesiásticos, e também o funcionalismo, que marcam posição na propriedade das terras.

Terras que se revestirão de interesse crescente, servidas por um eixo de comunicação que a Idade Média desenvolverá. À ligação leste-oeste, pelo intercâmbio dos cereais, da castanha, do azeite, do mel, da cera do interior com o pescado e o sal da costa, somar-se-á ao eixo Norte-Sul, de tradição romana, até então predominante.

E, sem dúvida, terras de interesse pela proximidade do Porto, urbe de comércio marítimo, onde era preciso procurar os soldos indispensáveis ao pagamento dos tributos do rei.


(1) Dic. Hist. Portugal, «Inquirições», vol. II, pág. 552 a 554.

(2) Camilo de Oliveira, «0 Concelho de Gondomar», vol. l, pág. 65 a 67.

(3) A eirádega era paga pelos colonos aos senhores da terra, geralmente em cereais («eira»), mas também em linho ou vinho. A medida em «quairas» variava de lugar para lugar. No Porto, a «quatro» era de três quartas partes do alqueire.

(4) José Mattoso, «Le Monachisme...», pág. 160.


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