A PRAÇA DA CORUJEIRA: CENTRO LOCAL

No conjunto do espaço geo-social de Campanhã, a Praça da Corujeira em si, bem como as suas envolvências, releva como área em que os autarcas locais, em todo o decurso deste século, mais investiram em «projectos» e intervenções. A leitura pormenorizada das Actas confirma o que qualquer Carta Topográfica da Freguesia expressa: A Praça da Corujeira e adjacências emerge como Centro da Freguesia e como nó radial de que derivam e a que acedem uma multiplicidade de vias de comunicação. Se uma Carta nos permite constatar o que se fez, a leitura das actas permitiu-nos acompanhar, a par e passo, o processo e a dinâmica das intenções e transformações operadas.

Neste processo de intenções e transformações, é possível e conveniente definir duas direcções que, convergindo para um mesmo objectivo - a consagração dum centro local - vão sendo abordadas de forma relativamente autónoma: a Praça da Corujeira em si mesma e a zona da Corujeira como nó radial de circulação local. Ressalvemos, no entanto, que não há uma linha sequer que minimamente traduza, de forma explícita, tal intencionalidade. 0 fundamento desta há-de ser procurado, e foi-o por nós, na objectividade de sentido das acções desejadas e solicitadas. Não se trata de um projecto prévio e colectivo que, pausada e apressadamente, se vai concretizando, mas, como que de um processo, provindo das raízes, feito de quotidiano e de acções pontuais, o qual, à medida que se desenvolve, expressa um empreendimento com sentido.

A consideração da Praça da Corujeira em si mesma remete-nos, desde logo, para a função privilegiada que, durante longo período deste século, viabilizou: Feira/Mercado, função a que habitualmente os historiadores da cidade atribuem particular importância, enquanto feira do gado e dos Moços, em mudança assídua de um para outro lugar da cidade. A Praça da Corujeira que, entretanto, nos surge nas Actas, sendo Feira e Mercado (em que o gado é a dominância, os Moços o típico), é mais do que isso: é um espaço público a usufruir pela comunidade local e que, para tal eleito, se torna necessário embelezar e adequar. Ao longo do período em análise, solicitações e acções têm a ver com uma como com outra das funções, embora seja visível uma tendência de valorização da segunda. Sinal indicativo desta tendência, cujo conteúdo vai perdurar em todo o período, aparece-nos em Acta de 1937 que regista o agradecimento da Junta a duas personalidades pela promessa que fizeram de criação de um «parque infantil» na Corujeira (Sessão de 18/11/37) (5).

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Centro Social na Praça da Corujeira

Múltiplos e diversificados pedidos de intervenções e de acções concretizadas se nos oferecem que evidenciam e reforçam o sentido referido, as quais apresentamos de forma sistematizada:

- No 1.° quartel do século, as referências ou primam por demasiado genéricas, casos «... de obras no mercado (ou Praça) da Corujeira...» (Sessão de 26/11/16(6) e 01/03/23)(7): «... pedido de reparações no Mercado da Corujeira (de 1922 a 1923), precedido de «... pedido de reunião à Câmara Municipal do Porto para reparações no Mercado (Sessão de 19/10/22(8) ou referem mais concretamente: «... pedido de terraplanagem...» (Sessão de 07/11/18 (9) e de 02/09/20) ( 10) e «. . . início de terraplanagem. . .» (Sessão de 06/10/21) (11).

- Em termos de instalação de serviços, as referências são mais concretas: A Câmara Municipal do Porto informa que vai mandar instalar os «mictórios» na Praça da Corujeira (Sessão de 12/03/14) (12) e «iluminar» o Mercado da Corujeira (Sessão de 17/12/16)(13); a Junta oficia à Câmara Municipal do Porto para colocação de torneiras nos dois fontenários da Corujeira (Sessão de 03/1l/21) (11), ao que a Câmara responde favoravelmente (Sessão de 15/12/21)(15), vindo a aparecer, bastante mais tarde, solicitação de «marco fontenário» (Sessão de 18/06/36) (16) ; pede-se a «iluminação do Mercado da Corujeira (Sessão de 20/07/22) (17) e regista-se a existência na Junta de uma verba de 500$00 para a «Cantina Infantil» a instalar na Praça da Corujeira (Sessão de 07/12/22) (18); a Câmara Municipal do Porto informa ir atender o pedido da Junta sobre a «rede de energia eléctrica» a partir da Corujeira para Azevedo (Sessão de 02/08/23) (19), ainda que logo em 1928 a Junta renove o pedido de «instalação eléctrica» na Pr. Dá Corujeira (Sessão de 07/06/28) (20) e os moradores da mesma Praça peçam melhorias da iluminação Pública (Sessão de 06/02/28) (21). Perante intenção da Câmara de vir a construir «uma piscina», a Junta pede que a mesma seja colocada na Praça da Corujeira (Sessão de 17/04/24)(22); ao projecto de construção de um «depósito de despojos de animais» na mesma Praça, pela Companhia Nacional de Talhos, a Junta lavra o seu protesto (Sessão de 18/12/24)(23). Por várias vezes, moradores e Junta solicitam a criação de «Cursos Noctumos» na Corujeira (Sessão de 15/02/28) (24) e mais precisamente na Escola n.° 17 - na Corujeira (Sessão de 05/11/33) (25).

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Marco Fontenário

- No decurso do período em análise, a função de feira de gado que à Praça suportava não deixa de ser referida. Vejamos como se desenvolve o processo da sua utilização até à desactivação. A primeira referência com algum relevo regista que a Junta «não está de acordo» com o pedido de «Feirantes de Gado» para autorização da realização de uma «Feira Cavalar» na Pr. Da Corujeira (Sessão de 02/03/22) (26), sendo significativo o facto do registo, mais próximo deste, dar conta do pedido de transferência, feito pela Junta, da «feira do gado da Corujeira» para outro local (Sessão de 21/03/29) (27) e a sua renovação (Sessão de 21/04/31) (28). É significativa, por esta altura, a persistência e estratégia da Junta no prosseguimento do seu objectivo: de novo oficia à Câmara para conseguir a transferência, oferecendo no entanto, um local alternativo - «Azevedo» - e projectando a transformação da Praça «em grande parque» ou «simples jardim».(Sessão de 16/08/35) (29).

- 0 que a seguir acontece revela que a vontade da Junta não teve acolhimento: «0 Sindicato Agrícola dos Lavradores» realiza um «concurso pecuário» na Pr. da Corujeira (Sessão de 07/05/36) (30)e os «moradores» pedem para que se passe a realizar uma feira 3 vezes por semana na Corujeira (Sessão de 03/09/36) (31). Mesmo, quando em 1937, já se fala do «Parque Infantil», o interesse pela feira mantém-se: «0 Sindicato Agrícola» pede que a feira das Terças-feiras na Pr., da Corujeira seja feita aos Sábados (Sessão de 07/04/38) (32) e, pouco tempo depois, a Junta comunica à Câmara jue está . de acordo, com o «Sindicato Agrícola de Lavradores Portuenses» para a instalação dum mercado a funcionar conjuntamente com a «Feira do Gado da Corujeira» (Sessão de 16/06/38) (33). Para novas informações, temos de esperar por 1948 em que é a própria Junta a pedir que o mercado a criar na cidade seja instalado na Corujeira (Sessão de 15/07/48) (34), obtendo resposta da Câmara dizendo que projecta a sua instalação na Pr. das Flores (Sessão de 16/08/48) (35), (hoje Pr. António Teotónio Pereira).

- A partir dos anos sessenta, se redobram os esforços da autarquia local no sentido de alterar a situação da Praça, parece pacífico o objectivo tradicional de nela instalar um parque infantil e, o mais recente, de «ganhar» para ela o Mercado: em fins de 1963, a Junta congratula-se com a intervenção dum vereador Municipal que defende a «Urbanização da Praça da Corujeira»(Sessão de 30/11/63)(36) e, logo de imediato, apresenta à Câmara uma proposta que, para fazer face ao «estado lastimável» em que a Praça se encontra, se construa nela um «parque infantil, uma instalação sanitária e o já anunciado Mercado» (Sessão de 25/01/64) (3), ao que a Câmara responde que estão «em curso» estudos relativos à Praça.

- 0 curso dos estudos mostrou-se longo e inclusivo e é, com alguma surpresa, que vemos a Câmara (como se nada tivesse vindo a acontecer e, por certo, com a feira já desactivada) pedir parecer a «moradores e comerciantes» acerca da possibilidade da realização de uma feira semanal às Terças-Feiras, na Pr. da Corujeira, sob o patrocínio da Cruz Vermelha (Sessão de 09/12/75) (38), ao que, em reunião com a Junta, os comerciantes se opõem (Sessão de 30/12/75)(39). A Junta, pela sua pane, parece ter esquecido o Mercado e insiste no parque infantil «há muito prometido» e na necessidade de arranjos na Praça (Sessão de 27/01/76)(40). Finalmente, passados que foram mais de quarenta anos, encontramos registado o comunicado da Câmara a informar que o parque infantil se encontra construído (Sessão de 11/05/76) (41) para, logo de imediato, protestar contra o estado de degradação em que se encontra (Sessão de 25/05/76) (42).

- Conseguido o parque infantil, a memória da feira não desvaneceu e «vários feirantes» pedem à Junta de Freguesia que solicite à Câmara a realização de uma feira semanal, às Sextas-Feiras, na Pr. da Corujeira (Sessão de 17/05/77) (43), sendo negativa a resposta da Câmara (Sessão de 07/06/77)(44). Se é verdade que ficou consolidada aquela vocação e desejo antigo, com a construção, em 1985, de um Centro Social, por iniciativa da Junta de Freguesia, é cedo para qualquer juízo sobre um hipotético ressurgimento da feira. Significativo, em temos de futuro, é o registo da proposta do «Chefe da Esquadra da Corujeira» a pedir colocação de marcos que impeçam a entrada de carros na Praça... (Sessão de 14/12/81) (45), a merecer total apoio da Junta de Freguesia.

- Este longo episódio entre uma «feira de gado» e um «parque infantil», se nos revela as dificuldades duma Junta de Freguesia no ordenamento do seu próprio espaço, evidencia também a importância da Pr. da Corujeira na vida local e naquele ordenamento. Se às informações exaustivas acrescentássemos outras de natureza vária que o leitor aliás poderá vir a encontrar, aquela tendência muito mais se reforçaria. Desejaríamos apenas prevenir uma leitura redutora que confundisse aquela importância e tendência com a função comercial da zona. Para tal, lembramos que foi nas imediações daquela Praça que, apesar das mudanças verificadas, sempre se instalaram os Serviços da Junta de Freguesia, no período que analisamos, e onde aliás se encontram. Igualmente nela; no auge do fervor Republicano, funcionou o Centro Dr. Afonso Costa. Também ali têm história antiga (Rua das Escolas) e persistem instituições de Ensino, como igualmente têm história os Serviços de Saúde, prestados nas instalações da Junta e sob o seu patrocínio. E nem sequer poderá ser considerado tendencioso observar que ali bem perto se situam a Capela de S. Roque e a Igreja Paroquial.

- É para o conjunto destes factos e factores que remetemos o leitor, para podemos afirmar que a Praça da Corujeira (com as suas imediações) se vai constituindo em Centro Local, cumulativamente económico, cultural, político e religioso. A análise subsequente do processo de constituição da rede viária que a circunda tem de ser vista como efeito e factor daquela vocação e concretização.

PRAÇA DA CORUJEIRA: NÓ RADIAL

A zona da Corujeira emerge, da leitura das Actas, não apenas como um espaço preferencial na concentração de esforços, mas também como um espaço prioritário no tempo, a dotar de arruamentos e de transportes que o sirvam e o articulem com as restantes zonas de Freguesia. Cotejando a informação recolhida, verificamos, ao mesmo tempo, tratar-se duma atenção e intervenção contínuas que, iniciadas desde muito cedo, se prolongam, de forma persistente e sem saltos, até meados do século. Os arruamentos constituídos se, por um lado, envolvem a Praça e a ladeiam (sobretudo a Nor-Nordeste), por outro, irrompem nela nas mais variadas direcções. Observadas, no entanto, com atenção estas direcções, elas impõem-nos algumas dominâncias no seu sentido, quais sejam: a ligação à Rua de S. Roque da Lameira e a projecção para a Estrada da Circunvalação. Nestas dominâncias, estando contemplada a função da circulação local, sobreleva o objectivo da articulação às vias de longo curso e, por elas, a articulação a outros lugares da Freguesia. 0 objectivo restrito da circulação local torna-se mais evidente na antiga Rua de Vila Meã, hoje, do Dr. Maurício Esteves Pinto, na Rua Lameira de Baixo e na Rua Monte da Bela.

Do conteúdo das intervenções solicitadas e/ou operadas merecem, como é evidente, destaque particular aquelas que se concretizaram em novos arruamentos ou no prolongamento de antigos. Logo, em 1913, se solicita a abertura de Rua desde o «Mercado da Corujeira à Lameira de Baixo» (Sessão de 18/07/13)(46) e, em 1914, pede-se a conclusão da «Rua abaixo da Ponte do Americano para a Pr. da Corujeira» (Sessão de 12/02/14)(47) bem como a conclusão da R. Ferreiro dos Santos (Sessão de 13/04/14)(48), tendo vindo qualquer delas a ser efectivamente concluída. Pedido de construção de nova Rua regista-se em 1915 e respeita à Rua de Vila Meã (Sessão de 12/04/15)(49), a qual já está construída em 1924 (Sessão 20/03/24) (50). Registamos dois pedidos de grande fôlego, no que respeita à rede viária: o de uma Estrada entre o Lugar de Azevedo e S. Roque da Lameira (Sessão de 19/01/39) (51) e outra entre a Corujeira e Valbom, em função da qual se refere convite à Junta de Freguesia para reunião com o Presidente da Câmara de Gondomar (Sessão de 30/09/46) (52). Relacionado ou não com estes dois pedidos, surge a discrepância entre a Junta e a Câmara, perante o projecto desta duma ligação a Gondomar por Azevedo, que a Câmara pretende que tenha início na Rua de S. Roque da Lameira, abaixo da Corujeira, e a Junta deseja que ela parta directamente da Pr. da Corujeira (Sessão de 16/11/22)(53).

Inúmeras são as referências a pedidos de reparações que nos abstemos de situar no tempo, enumerando apenas alguns deles respeitando a ordem cronológica: na Rua da Corujeira de Baixo; na Rua Nova da Corujeira e na das Escolas; na Rua do Falcão; na Rua Central da Corujeira. Na sua quase totalidade, ocorrem até aos anos trinta.

Também significativo é o investimento na introdução de melhoramentos: «calcetamento à Portuguesa» de parte da Rua de Vila Meã (Sessão de 07/04/26) (54) ; calcetamento na Rua da Lameira de Baixo (Sessão de 20/10/38) (55) : «pavimento» na Rua do Monte de Campanhã (Sessão de 15/04/55) (56) ; «alinhamento» da Rua Ferreira dos Santos (Sessão de 20/08/29) (57) e «alargamento» da Rua de Vila Meã (Sessão de 28/09/74) (58) ; construção de «aqueduto» na Rua Central da Corujeira (Sessão de 23/09/30) (59) ; «encerramento» da Viela da Rua das Escolas à Rua do Falcão (Sessão de 18/12/29) (60); «Valeta» no cruzamento desta Rua com a do Monte de Campanhã (Sessão de 15/10/47) (61); colocação de «Lombas» nas Ruas do Bairro do Falcão (Sessão de 18/04/83 ) (62).

No que respeita ao fluxo de trânsito na zona, mostram-se bastante menos significativas as referências. Explicamos o facto m bem passível de podemos ser contestados - admitindo que os S.T.C.P, por sua própria iniciativa, previram e satisfizeram as necessidades da zona. Desde a referência à «Linha do Americano», o silencio é total e só quebrado quando aqueles serviços se apetrecham com frota de autocarros. Nesse longo período, por certo, o centro das atenções e das aspirações focalizou-se no sucesso do «Americano»: o carro eléctrico e na utilização dos comboios.

É a partir dos anos cinquenta que surgem as referências ao trânsito na zona e, para além das que deixamos registadas, outras existem, mas que são função prioritária doutros lugares/zonas de Freguesia. Em 1952, é solicitado, em exposição de moradores, o prolongamento duma carreira até à Pr. da Corujeira (Sessão de 08/12/52)(63) e só, em 1967, se regista um novo pedido que pretende que a «carreira» circule na Pr. da Corujeira (Sessão de 28/01/67) (64), pedido que obtém resposta negativa dos S.T.C.P. (Sessão de 25/02/67)(65). Passados dez anos, dizem-nos as Actas, moradores fazem pedido de nova «carreira» (Sessão de 22/03/77)(66) e, com ele, se esgotam as referências.

A consideração atenta do que se passa em outros lugares e zonas revela-nos que, tanto ou mais que os moradores na zona da Corujeira, são os residentes naquelas que estão interessados na circulação das «suas» carreiras por aquela Praça. A análise comparativa das intervenções da autarquia, seja ao nível dos arruamentos, seja dos transportes, com base nos registos das Actas, não deixam dúvidas da concentração de energias nesta área que temos vindo a analisar em pormenor. Cremos, também, que, quer o conteúdo, quer a insistência, quer o sentido das intervenções, seja na rede viária, seja nos Transportes, põem em lugar de relevo a Praça e zona da Corujeira, enquanto o Centro desejado e em construção por residentes e seus representantes locais. Imediatamente a seguir, em termos de investimentos, é justo e verdadeiro deixar registado, como as Actas o fazem, que viria S. Pedro e Azevedo, cuja história de fidelidade e de luta pela pertença à freguesia - que o diga Silva Tapada - bem o merece.

S. PEDRO E AZEVEDO: QUE FUTURO?

Quando as potencialidades implícitas no traçado da Estrada da Circunvalação se passam a traduzir em consequências administrativas, segregando da cidade e da freguesia o conjunto de lugares organizados em torno de S. Pedro e Azevedo, explode forte o desejo de pertença e de identificação dos seus habitantes com o Porto e Campanhã. Terá parecido simples e inócuo a agentes do poder central «riscar» em mapa e materializar em infra-estrutura viária uma nova fronteira urbana, permitindo-se esquecer a vida quotidiana dos povos, feita coesão e comunidade, argamassada por factores de ordem demográfica, socio-culturais, económicos e religiosos que a história consolidou na consciência e nas práticas.

No decurso dos anos de 1897 e de 1898, as movimentações populares, animadas por moradores de Campanhã, de um e outro lado da Circunvalação, e corporizadas em Comissões de Moradores, tendo por referência e aliado o Vereador da Câmara do Porto - Silva Tapada - sucedem-se. 0 objectivo era claro: «o imediato regresso ao Porto de parte da freguesia que, em virtude da abertura da Estrada da Circunvalação, ficava anexada ao Concebo de Gondomar» (67).

Depois de múltiplas diligências junto do Governador Civil do Porto e do Chefe do Governo, promovidas «pelas mais gradas figuras da freguesia de Campanhã» (68), são, por Decreto de 13 de Janeiro de 1898, repostas as antigas fronteiras e é refeita a unidade da freguesia e da cidade. As manifestações de entusiasmo e regozijo que vinham acontecendo de par com as promessas favoráveis à reintegração, culminaram na decorrência daquele Decreto, promovendo a freguesia de Campanhã grandes festejos e organizando um majestoso cortejo fluvial até à casa de Silva Tapada em Quebrantões, onde foi calorosamente vitoriado por centenas de manifestantes. (69)

Se era enfio forte a consciência e o desejo de pertença, e foi decidida e participada a sua preservação, tornava-se no entanto evidente a necessidade de sustentar e promover, o que exigia para o futuro uma perspectiva e uma prática que favorecesse e consolidasse, por medidas e acções concretas, a interacção congregadora do conjunto dos lugares do espaço em análise. Paradigmática desta necessidade é a postura dos Moradores de Azevedo, quando logo em Abril de 1899, se dirigem à Câmara a solicitar a restauração da Ponte do Campo, que ameaça ruína e a reparação de ruas e calçadas intransitáveis.

A leitura dos Livros de Actas permite-nos identificar três núcleos centrais de preocupações por parte dos moradores e da Junta de Freguesia. Se dois deles estão expressos naquele pedido - a intercomunicação local e a articulação com a freguesia e a cidade - o outro traduz-se no desejo de uma vida inovadora e estruturante do atravessamento da zona que, de forma rápida e cómoda, vá até S. Roque da Lameira, nas imediações da Corujeira, e no sentido oposto até Gondomar.

0 emaranhado da malha urbana de S. Pedro e Azevedo, o traçado sinuoso e acanhado das vias, o seu mau estado de conservação e a proliferação de becos sem saída ou de mera servidão agrícola, explicam o ênfase posto na procura da sua melhoria. Se até cerca de meados deste século o conteúdo dos pedidos se traduz na introdução de «melhoramentos» não identificados, para diante é expressamente do «alargamento» das vias que se trata. Os moradores pretendiam enfio acesso fácil aos transportes públicos, os quais só mutio dificilmente «cabiam» ou simplesmente «não cabiam» nas ruas e caminhos.

Não ocorrendo informação sobre a resposta ao pedido dos moradores de Azevedo em 1899, registamos novos pedidos de melhoramentos: em 1919, «nas ruas de Azevedo e do Meiral»; em 1934, nas mesmas ruas e também «nas Areias», «Aldeia» e «Largo de S. Pedro»; em 1946, em «150 metros da Trav. do Azevedo»; em 1951, na «Rua e Viela da Aldeia». Em 1951, o que os moradores enfio já pedem é o «alargamento da R. das Areias» ; em 1954, a Câmara Municipal do Porto decide fazer expropriações para viabilizar a carreira de transportes públicos pedida pela Comissão de S. Pedro de Azevedo, iniciando obras no ano imediato; em 1957, a Junta pede o alargamento da «R. do Lagarteiro até à Circunvalação»; para alargamento de artérias na zona de Azevedo, decorre, em 1977, processo de expropriação de prédio «da Senhora da Hora» e os S.T.C.P. ameaçam suspender a carreira do Azevedo se não forem removidos estrangulamentos.

É óbvia a correlação entre rede de transportes e rede viária e evidente a potenciação recíproca entre melhoramentos locais que, favorecendo um acesso mais imediato aos transportes, favorecem também uma maior integração na freguesia e a proximidade da cidade. 0 conteúdo das Actas reforçam, de maneira privilegiada, esta vertente da integração e proximidade. Perfeitamente encaixado entre os dois pequenos rios - o Tinto e o Torto - é a urgência e a insistência na conservação e melhoramento dos pontos de atravessamento e seus prolongamentos que vão dar expressão, no espaço de S. Pedro e Azevedo, àquela vertente. Mas, note-se, não de forma igual no que respeita a um e outro daqueles cursos de água. Com efeito, o que emerge como principal obstáculo ao interrelacionamento é o Rio Tinto, o qual juntamente com a Estrada da Circunvalação, se constitui, em temos objectivos e subjectivos, como autêntica fronteira no acesso à freguesia e à cidade.

Se também neste caso não sabemos o que se passou com o pedido de «restauração da ponte do Campo», feito em 1899 pelos moradores de Azevedo, as Actas registam de novo pedido de «reparação» em 1912, dando conta em 1914 da existência de «projecto» da Câmara para a sua transformação em «ponte de cimento amado». Novos pedidos de reparação surgem em 1923, referindo-se que, nesse mesmo ano, tiveram início as obras. Em 1929, por duas vezes, se pede a reparação da ponte de Pego Negro, desconhecendo-se a resposta que mereceu. Em Agosto de 1944, regista-se a inauguração da ponte sobre o Rio Tinto, de peões e veículos, na circunvalação, ao Freixo. Quanto à Ponte de Tirares, ponto de atravessamento sem dúvida antiquíssimo, expresso pela sua arquitectura romana, não aparecem referências com grande significado. No que respeita ao Rio Torto, apenas um pedido de construção de «Nova Ponte» (16/01/36) e inauguração de «Ponte Provisória» (05/04/36).

Este conjunto de esforços na procura de infra-estruturas viárias mínimas combina-se e deriva, como sugerimos já, na reivindicação de transportes públicos. Os Livros de Actas registam-na, pela primeira vez em 15/11 /48, dando conta de «promessa de carreira para Azevedo». Em 1952, pede-se o prolongamento à Praça da Corujeira da carreira que vai até «à Entrada da Rua do Azevedo» e que se pretende chegue também ao «Alto de Azevedo». Em 1955, a Junta de Freguesia congratula-se com a «inauguração, em 05/ 11 /55, da carreira ao Alto de Azevedo». Será apenas em 1971 que se regista pedido de prolongamento da «Carreira» até à Rua das Areias, junto ao Horto Municipal, prolongamento que virá a dar aso, em 1977, a um convite para conversações dirigido pela Câmara de Gondomar ao Presidente da Junta de Freguesia de Campanhã.

Quem percorre ainda hoje o espaço de S. Pedro e Azevedo constata facilmente no terreno a imagem que fica da leitura das Actas: um espaço de melhoramentos, arranjos e alinhamentos que perdura quase há um século, sem alterações fundamentais na sua estrutura interna e na rede de articulações com a freguesia e a cidade. As dificuldades sentidas, os esforços desenvolvidos e as respostas encontradas consagraram os percursos tradicionais, adaptando-os minimamente às novas necessidades. 0utrotanto acontece em relação a Gondomar: a inovação nas vias de penetração ou é lenta, inconsequente e inacabada ou marginou a zona pelo Freixo, na direcção do Porto. Duas notícias apenas, uma colocando-a outra opondo-se-lhe, expressam a hipótese dum atravessamento inovador e de longo curso: um pedido, com data de 1939, da construção de Estrada entre o Lugar de Azevedo e S. Roque da Lameira e uma comunicação da Câmara do Porto que diz não se justificar a Estrada para Gondomar, pelo lugar de Azevedo, à Circunvalação e junto a Tirares. (1948).

No preciso momento em que a nova ponte rodoviária sobre o Douro se tornou uma certeza a muito curto prazo importa não esquecer as movimentações populares e do poder local nos finais do século passado. Tratar-se-á agora sobretudo, na unidade de vontade e de esforços, de preservar as pecularidade e identidade da zona de S. Pedro de Azevedo e simultaneamente de garantir que novas barreiras não se venham a levantar entre ela e a Freguesia/cidade. Por certo que novos Silva Tapada não faltarão a merecerem, à passagem do presente século, manifestações tão grandiosas como as que ele mesmo recebeu no seu tempo.


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