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A JUNTA DE FREGUESIA
E AS
NECESSIDADES LOCAIS
«Campanhã é grande em tudo.
Demonstra-o o zêlo e a admirável
actividade desta junta. . . »
(Rev. Padre José António Dias, 6 Janeiro de 1951) (1)
Seria no mínimo pouco razoável que num trabalho deste tipo não se fizesse referência
à Junta de Freguesia. Tal significaria, com efeito, não apenas esquecer o trabalho
tantas vezes árduo e penoso de muitos autarcas que ao longo das últimas décadas deram,
concerteza, o seu melhor contributo para o progresso social e económico da freguesia, mas
também e sobretudo porque isso seria desaproveitar uma fonte de informação que, como se
verá, dá pelo menos importantes pistas para uma melhor compreensão desse grande e
complexo espaço urbano que é Campanhã.
De facto e ainda que seja pouco, ou quase
nulo, o poder de decisão e influência das juntas de freguesia relativamente às grandes
opções de carácter urbanístico, ou outras do mesmo alcance em temos de condicionamento
do modo e qualidade de vida da população, a verdade é que, de uma maneira geral, os
responsáveis por este tipo de autarquia nunca deixaram de estar atentos a todos esses e
outros processos e, com mais ou menos determinação, por iniciativa própria ou
pressionados pela população local, sempre tentaram influenciá-los. É pois possível
admitir que seja aí, nas juntas de freguesia, onde se poderá obter uma versão mais
«localizada» sobre esses processos.
Foi justamente com o propósito de conseguir
essa versão dos acontecimentos que marcaram a vida de Campanhã nas últimas décadas que
foram lidas e analisadas todas as actas das sessões da Junta de Freguesia, desde 1911
até aos duos 80. É claro que nessas actas não se faz referência a alguns assuntos da
vida da freguesia e muitos outros são apenas pontual e circunstancialmente abordados, o
que se reflecte inevitavelmente no texto que a seguir se apresenta. Mas se isso pode ser
entendido como um sério limite das potencialidades desta fonte informativa, também pode
permitir, desde logo, identificar as preocupações fundamentais e os pontos fulcrais de
interesse desta comunidade, expressos na actividade da Junta de Freguesia.
ARRUAMENTOS E TRANSPORTES
Fechado o último livro de actas da Junta de
Freguesia de Campanhã, damos connosco, na procura de uma expressão chave que possa
condensar três quartos de século de intervenção local - na construção e
transformação da sua rede viária e de circulação - de regresso ao primeiro ano das
mesmas (1911), onde nos é apresentada a «Linha (do) Americana» (Sessão de
18/01/11)(2). Passados apenas três anos, deparamos com a Junta de Freguesia preocupada
com a conclusão da «... Rua abaixo da Ponte do «Americano» para a Pr. da
Corujeira...» (Sessão de 12/02/14) (3).
Linha do «Americano» e ligação à Pr. da
Corujeira (R. Nova da Corujeira?) delimitam com precisão o tema que nos propusemos
abordar: trânsito e rede viária. Simultaneamente, no entanto, imprimem sentido a essa
abordagem: enquanto a Linha do Americano e o seu suporte físico - Rua de S. Roque da
Lameira - nos orientam na perspectiva da articulação de Campanhã com o «centro» da
cidade, a ligação à Pr. da Corujeira impõe-nos a consideração de Campanhã em si
mesma. Rede viária e trânsito obrigam ao tratamento destas duas dimensões: o local - a
Freguesia, o centro urbano - o Porto, no qual aquele se integra.
0 futuro das intenções, apelos e
intervenções remetem-nos para o complemento daquela perspectiva, exigindo uma outra
dimensão de análise. Com efeito, tanto como o local e articulação ao conjunto urbano,
vai emergir, ao longo das actas, uma outra preocupação relevante: a ligação de
Campanhã ao hinterland do Porto, nas direcções privilegiadas e históricas de Valongo e
Gondomar. Os pontos desta penetração para o exterior tornam-se evidentes: pela Rua de
.S. Roque da Lameira, de cujo pedido de prolongamento, pela Junta de Freguesia, até à
Circunvalação nos dá conta comunicação da Câmara Municipal do Porto (Sessão de
07/04/26) (4); da Praça da Corujeira (desejo da Junta), ou das suas imediações na Rua
de S. Roque da Lameira (projecto da Câmara), até Azevedo e daí para Gondomar; pela Rua
/ zona do Freixo, atravessando a ponte do Rio Tinto à Circunvalação, na direcção de
Valbom e Gondomar, dando acesso à Estrada marginal para Entre-os-Rios.
Na alvorada do século XX, o espaço
geo-físico e social de Campanhã, no que respeita a infra-estruturas viárias, por
vontades e interesses alheios, cuja dimensão regional dificilmente se combina
harmonicamente com interesses e dimensões locais, encontra-se grandemente condicionado,
diríamos mesmo que «violado», na consideração da sua história cultural e das
relações sociais da comunidade que o habita. Com efeito, quer a Linha Ferroviária do
Douro/Minho, quer a Estrada da Circunvalação configuram rupturas profundas na história
e nas condições da intercomunicação física e social no espaço da Freguesia. Se a
Linha Ferroviária, em túnel aberto e com a enorme área ocupada pela Estação de
Contumil e seus prolongamentos, apresenta consequências com elevado grau de
determinação, enquanto corte longitudinal que atinge quase toda a área, a Estrada da
Circunvalação assemelha-se-lhe por uma diversidade de efeitos: fracciona lugares
convivências ainda que de concelhos diferentes; isola parte significativa da área
física e social da nossa freguesia - S. Pedro de Azevedo; não previu, nem implementou,
até ao presente, estruturas viárias de atravessamento e penetração que minorassem a
situação criada.
Em decorrência, autarcas e população
local, podemos dizê-lo, transformam-se em «obreiros» sempre preocupados e decididos no
lançamento e melhoramento de pontes que, sendo físicas, expressam uma aspiração Social
e cultural local, no sentido da recuperação da unidade perdida. Se a estas pontes,
socialmente impostas, acrescentarmos aquelas que as linhas de água, mais ou menos
impotentes, solicitam - Rio Tinto, Rio Torto, mas também, Rio Cartes e Rio de
«Bonjóia» - definimos um núcleo prioritário da imaginação, paciência e esforços
locais. Se tivemos ainda presente que toda a ponte é função da natureza do trânsito
que suporta, torna-se claro que a evolução ao nível dos meios de transporte recoloca
Sempre de novo a questão da adequação da estrutura física que os possibilita. A
leitura atenta dos Livros de Actas não deixa dúvidas quanto ao relevo desta questão.
A valorização das pontes, com as
infra-estruturas e condições físicas que as exigem, se é importante pelo que significa
de investimento humano, técnico e financeiro, não o é menos se se considera o efeito de
determinação que potência no espaço de Campanhã, quer na estruturação global da
rede viária e da circulação quer, mesmo, na configuração evolutiva da sua malha
urbana. Quando vai já avançado o presente século e atentamos, sem exigências de rigor
em pormenor, na delimitação fronteiriça da Freguesia, constatamos que Campanhã
se «constrange» entre a larga e longa Av.
Fernão de Magalhães que, conduzindo o Norte exterior ao centro da cidade,
simultaneamente e por alternativas várias, acede à Estação e ao Freixo e a Estrada da
Circunvalação que completa o «cerco» da sua parte alta até Rio Douro e vice-versa. É
no âmago deste «cerco» que população e locais não pouparão esforços por romper
barreiras e é na tentativa da ~ das mesmas que as pontes originais, enquanto pontos fixos
de atravessamento, mostrarão sobremaneira determinantes, seja na estruturação que
referimos, como nas intenções, pedidos e acções pontuais, lentas e persistentes.
Fundamental, porém, numa compreensão
explicativa e significante destas, é a consideração da R. S. Roque da Lameira que, não
nos restam dúvidas, é decisiva, a todo o tempo e em todas as intervenções, enquanto
elemento estruturante do espaço da Freguesia, mas também como elemento de
identificação e (re)conhecimento de Campanhã. Quem circunda Campanhã, por Fernão de
Magalhães, Estação/Freixo, ' ~ e, mais recentemente, Nau Vitória, «passa à margem»
de . Exceptuando o aspecto emblemático do edifício da Estação, reconhecer por mais
saturado que esteja o trânsito, referenciá-la a qualquer estranho, na Rua de S. Roque da
Lameira, da «Praça das Flores» à Circunvalação, ênfase particular na zona da
Corujeira (ao Matadouro).
Mas, tanto ou importante que esta
funcionalidade da Rua, advinda daqueloutra que a em penetração/saída da cidade, é a
que ela comporta, enquanto eixo donde partem e a que acedem muitas outras vias que,
articulando simultaneamente conduzem às artérias circundantes e de repulsão. Neste uma
vez definidos os pontos de atravessamento da Linha Ferroviária e da Estrada da
Circunvalação, se concentram as energias e ganharam evidência os e a população de
Campanhã. Com este objectivo, e sem pormenores que viremos a apresentar, merecem realce:
- Os esforços de conservação e
melhoramento da ponte de Luzazares e sua alternativa posterior no espaço de Contumil,
conjugados com a constante e persistente reivindicação de novos e melhorados arruamentos
nessa área. Sobretudo no prolongamento e/ou arranjos que, pela Rua Chaves de Oliveira ou
pelas imediações dos Bairros do Ilhéu e de S. Roque da Lameira, garantam articulação
razoável entre a Rua com esta denominação e a Av. Fernão de Magalhães.
- 0 investimento preferencial e conseguido na
zona da Praça da Corujeira que viabilize um acesso fácil e renovado até à Estrada da
Circunvalação, com penetração pelas actuais Ruas do Lagarteiro ou do Azevedo até S.
Pedro de Azevedo, impondo vigilância permanente nas pontes sobre o Rio Tinto, sobretudo a
ponte do Campo.
- A preocupação permanente com a situação
criada em Vila Cova e Ranha, entre o fosso do eixo ferroviário e a Estrada da
Circunvalação.
- Os pedidos insistentes dos moradores de
Justino Teixeira a solicitarem ligação da sua Rua à de S. Roque da Lameira, ou dos
moradores da Rua das Antas a pedirem melhoramentos, que os levem à mesma Rua e à Av.
Ferrão de Magalhães.
- Pedidos idênticos dos moradores do Freixo
que querem ir a Gondomar e precisam do «bom estado» da ponte sobre o Rio Tinto e dos
comerciantes do Pinheiro de Campanhã e da Bonjóia, estes já particularmente
interessados num serviço de transportes públicos.
- A atenção e interesse renovado pela ponte
sobre a Linha Ferroviária em S. Roque da Lameira, para efeitos de conservação,
melhoramento ou alargamento que reflecte, no nosso entender, mais necessidades locais que
função de via de longo curso.
Ponte Romana de Tirares
Ponte Ferroviária (Calçada de Rego Lameiro)
Os Livros de Actas dos três quartos do
presente século são reflexo importante de contradições várias de interesses que
atravessam instâncias do poder Central e do poder Local e, neste, entre a Freguesia e
Município, quando se trata de projectar e intervir nos contornos e pecularidades do
espaço geo-social e político mais restrito: A Freguesia. No que a Campanhã concerne, e
não ignorando as consequências condicionantes e negativas já referidas, Câmara e
Juntas Locais privilegiaram o diálogo e a negociação, apesar de divergências várias e
inconsequências múltiplas na resolução dos problemas. Seja por ausência de projecto,
seja por incapacidade de os levar à prática, por parte da Câmara Municipal, a Junta de
Freguesia e população de Campanhã revelam, no decurso do tempo em análise, uma grande
capacidade de intervenção, dinamismo e transformação, sendo legítimo destacar o papel
determinante que tiveram na estruturação interna do seu espaço de circulação. 0 que,
obviamente, se se aplica ao sentido e ao conteúdo das transformações operadas, só se
tornou possível pela disponibilização dos meios financeiros e técnicos da própria
Câmara.
No que a arruamentos e transportes diz
respeito, a função da Junta de Freguesia revela-se fundamentalmente como de atenção,
vigilância e auscultação dos residentes que se traduz em «chamar a atenção»,
«pedir», «propor» (insistindo e influenciando) acções que satisfaçam às
necessidades e que, no caso de Campanhã, se dirigem preferencialmente e por esta ordem de
importância : à Câmara Municipal do Porto, ao Serviço de Transportes Colectivos do
Porto e à C. P. 0 conteúdo das solicitações e intervenções, quando se trata de
arruamentos, tem a ver com:
- Construção de novos, prolongamentos dos
já existentes, encerramento de alguns.
- Melhoramentos no piso, em passeios e no
alinhamento.
- Alargamento para transportes.
- Construção de valetas e aquedutos.
Torna-se possível, em termos de dominância,
estabelecer uma tipologia de intervenção que leve em conta a sua expressão especial:
- Lugares e circulação local.
- Articulações várias entre lugares.
- Articulações viárias à cidade e ao seu
hinterland.
Quando se trata de transportes, as
solicitações, passando obrigatoriamente por pedidos de intervenção nos arruamentos,
sobretudo pelo seu alargamento, dirigem-se :
- à criação de carreiras de autocarros;
- ao seu prolongamento e mudanças de
itinerários;
- à reivindicação de bonificações e
preservação de horários e apeadeiro (caso do comboio).
Ainda antes de entrarmos numa análise mais
pormenorizada e concreta, parece-nos com sentido e interesse pôr em destaque duas
constatações de ordem geral que perpassam pelo conteúdo das Actas. A primeira tem a ver
com a capacidade de organização que os moradores de Campanhã demonstram em ordem à
potenciação das possibilidades de satisfação dos seus interesses. As formas mais
vulgares e que são expressas nas Actas referem: «... a pedido dos moradores de...»
(lugar); «... Um grupo de paroquianos de...» (lugar); ou apenas «... Moradores de...»
(lugar). De par com estas exposições, faz-se alusão diversas vezes a «... abaixo
assinado, de moradores de...» (lugar). Dois casos, no entanto, merecem-nos menção
especial: a referência a Comissões de Moradores como no caso da «Comissão de Moradores
da R. do Cerco do Porto» que, em 1943, pede a pavimentação e alargamento da sua Rua. A
referência à «Comissão Pró-Autocarro de S. Pedro de Azevedo» que expõe em 1954 à
Câmara M. do Porto a necessidade do prolongamento da carreira de autocarros até Azevedo.
A segunda constatação, com interpretação
porventura mais polémica, a requerer tratamento complementar, provavelmente potenciada
pela capacidade de intervenção da Junta e população local, revela-se tão cheia de
significado que não resistimos a avançá-la. Trata-se daquilo que designámos por
«atracção da Circunvalação», presente nos textos das Actas e nas intervenções, mas
daquela parte da Circunvalação que do terminus da Rua de S. Roque da Lameira vai até ao
Freixo e se fixa, para além destes pontos terminais, com particular insistência num
outro intermédio de que o terminus da R, do Falcão pode ser referência. 0 facto é, em
si mesmo, banal na medida em que se limita a expressar a persistência dos percursos
tradicionais que, por estes pontos, ligavam a cidade e exterior. Mas é essa
«banalidade» mesma, sem alternativas inovadoras, que estamos a valorizar por que
afirmada, ao longo destes decénios, pelos moradores e autarcas de Campanhã, enquanto
fiel à história local, no sentido da sua projecção para o exterior e no desejo de
«reaver» uma parte de si mesma - S. Pedro de Azevedo. Que conteúdo histórico-cultural
na regularidade desta projecção: as «forças» ocultas da História; a base sócio
económica original (os rios, a agricultura, os moinhos, as quintas); a busca dos Vales do
Ferreira e do Sousa; a importância do relevo?... Em paralelo com aquela «atracção da
Circunvalação», a força e o sentido das expressões e aspirações não valoriza a
articulação à cidade. É admissível, porventura óbvio, que, quer a Câmara Municipal
quer Juntas de Freguesias contíguas estivessem a garantir e a promover as vias e as
condições de acesso adequadas. 0 que queremos expressar, porém, é a força e o valor
do sentido das expressões em si e aquilo que elas efectivamente projectam em nós : uma
vivência intensa e dinâmica do espaço da Freguesia que, nas relações preferenciais
com as suas envolvências, pretende romper, para além doutras fronteiras, a barreira da
Circunvalação.
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