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AS ORIGENS

CAMPANHÃ terá sido ocupada desde tempos imemoriais: o seu povoamento podemos recuá-lo até ao período megalítico, como no-lo atesta a toponímia. Conserva-se a designação de «Antas» e a documentação medieval refere «Arca de Samigosa» ou ainda «Mamoa Pedrosa»(1).

Antas e mamoas, ou arcas, que são usualmente interpretadas como sepulturas megalíticas, não foram ainda comprovadas arqueologicamente em Campanhã(2). Aqueles topónimos localizam-se na zona mais elevada e plana da freguesia, o que, de alguma maneira, coincide com a tendência de implantação deste tipo de monumentos funerários.

Russel Cortez, em 1943, ao efectuar uma sondagem no corte feito no terraço fluvial, para a construção da Estrada Marginal, detectou, junto ao Esteiro de Campanhã, os objectos mais antigos do povoamento à beira-rio e atribuídos pelo autor ao Paleolítico(3).

É possível que a vida que aí se desenrolava se articulasse com a ocupação da eminência próxima, o monte de Noeda(4), associação que, em outros pontos do país, se comprova a partir de finais da Idade do Bronze.

Na idade do Ferro, as populações parecem privilegiar o cimo dos montes sendo bem verosímel a ocupação do castro de Noeda, dominando a confluência dos rios Tinto e Torto com o Douro, e possivelmente em articulação com outros castros próximos, como Gondomar, Oliveira do Douro e o Morro da Sé.

0 contributo da Arqueologia será decisivo, esperando-se que sejam criadas condições para que este tipo de estudos se inicie na freguesia de Campanhã.

A ocupação romana, já comprovada na área circundante a Campanhã, permite-nos aguardar que aqui venham a ser encontrados testemunhos arqueológicos também para este período. De facto, são conhecidos o cemitério romano Penouço (Rio Tinto) (5), o tesouro monetário de Monte Crasto (Gondomar)(6), intensa exploração mineira nos actuais concelhos de Valongo e Gondomar e, mais recentemente voltou a comprovar-se a presença romana no Morro da Sé do Porto através de espólio variado (moedas, cerâmica, vidros, etc.) (7). 0 mesmo se verifica na margem Sul do Douro(8).

A implantação romana permanece através do topónimo «Campanhã»; «Contumil» e «Godim», topónimos de raiz germânica, segundo J. Piel, trazem até nós memória dos domínios suevo e visigodo.

Mas a toponímia tem sido objecto de interpretações diversas. Segundo a recente tese de Moisés Espírito Santo, topónimos como Alagi («lugar de culto»), Maceda («lugar de reunião ou assembleia donde partem decisões»), Furamontes por Ferramontes (paralelismo com minas de ferro), Currais («forno» ligado ao trabalho de forja), Rio Tinto e Ranha («choro ou pranto», ligada prantos rituais na ocasião em que o rio se tingia de vermelho devido às terras férreas que arrastava), Tirares («deriva de Tiro?», cidade fenícia exportadora tecidos), Godim («corrupção de Godel, título honorífico atribuído a um homem ri e poderoso»), seriam provenientes do fundo linguístico pré-romano. «A língua hebraica ou uma língua semita com muitas afinidades com esta, foi a língua fala antes do latim em todo o território português» (9).

Os fenícios, cuja língua «é essencialmente o hebraico» (10), estabeleceram Península Ibérica feitorias comerciais que aquele Autor associa a «acções povoamento e civilização» durante dois ou três milénios (11). Grandes exploradores do ouro e da prata, os Fenícios, com a fama de «gente das forjas», comerciavam também pedras preciosas, objectos de toilette e sobretudo tecidos, com destaque para os de côr púrpura. Deste modo, a microtoponímia de Campanhã guardaria a marca da presença sucessiva de semitas (fenícios), latinos e germanos.


(1) Rogério de Azevedo identifica «Arca de Samigosa» com lameiro (S. Roque da Lameira) e «Mamoa Pedrosa» com Antas de Baixo, Campanhã. «0 Porto desde a Proto-história à época do Infante D Henrique» - Porto, MCMLX - Pág. 45, nota 3; mapa pág. 24/25.

(2) Na documentação medieval aparecem referências a «pedras fixiles», vulgarmente identificadas como amtas, e no caso da Freguesia, com o toponónimo Antas. Alberto Sampaio não atribui a «Pedras fixiles» nem a «Arcas» carácter funerário. Quanto a mamoa, parece não ser controverso. Estudos Históricos e Económicos, Porto, 1923, vol. I pág. 46.

(3) Diz: «0 mobiliário encontrado mostra uma predominância de instrumentos constituídos por grossos discos, assaz achatados, talhados em volta, simultaneamente misturados com outros mais compridos de talhe, lembrando «coup de poings» mais ou menos degenerados...» Russel Cortez, «pré-história Portuense I- A Estação Paleolítica do Esteiro». Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, Porto, 1946, vol. IX, fasc. 1- 2, pág. 53.

(4) Noeda deriva de «Luneta», segundo Rogério de Azevedo «amontoado de pedras», e não «pequena lua». Obra citada, pág. 9, nota 5.

(5) Ricardo Severo, 0 Cemitério Romano do Monte Penouco (Rio Tinto), Portugália, li fasc. l, pág. III 114.

(6) Camilo de Oliveira, 0 Concelho de Gondomar (Apontamentos monográficos), vol. II, Porto, 1934, pág. 33. Este tesouro, segundo estudo de Damião Peres era constituído por 1 moeda grega em prata, 2 moedas romanas em prata e 173 de bronze que se distribuem pela 2.< metade do séc. III e parte do séc. IV.

(7) Manuel Luís Real, Maria José Távora, Maria Isabel Pinto 0sório, Filipe Fernando Teixeira, Escavações Arqueológicas fio Morro da Sé, sep. do «Boletim Cultural», Câmara Municipal do Porto, 2.ªSérie, Vol. 3/4 - Porto, 1985/86, pág. 28 e seg.

(8) Armando Coelho Ferreira da Silva, Aspectos da Proto-História e Roman12ação fio Concelho de Ria Nova de Gaia e problemática do seu povoamento. «Gaya», 2, Vila Nova de Gaia, 1984, pág. 39 a 58.

(9) Moisés Espírito Santo, Ensaio sobre Toponímia Antiga, Assírio e Alvim, Lisboa, 198, pág. 274 e pág. 283.

(10) Ibidem, pág. 379.

(11) Ibidem, pág. 382.


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