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QUINTAS DE CAMPANHÃ


A freguesia de Campanhã termo do velho burgo do Porto era, em tempos idos, um espaço iminentemente agrícola.

Esta freguesia era constituída por aldeias ou «logares» (núcleos de casas de lavoura) em redor dos quais pontificavam ou fogos ou vizinhos, unidades sócio-económicas de base no seio das quais se desenvolviam grande parte das funções sociais: procriação, educação, consumo e produção.

Perante este quadro ruralizante não é, pois, de estranhar que muitas famílias enobrecidas e proprietários abastados aqui tivessem as quintas e casas de campo.

No século XVIII, XIX e princípios do XX, algumas destas propriedades assumiram um papel de quintas de recreio da classe burguesa da cidade, particularmente da colónia estrangeira ligada aos interesses vinícolas e os chamados «brasileiros ricos». Em termos de palacetes podemos referenciar estas «casas dos brasileiros», extremamente vistosas e eclécticas que predominam nesta zona oriental da cidade e particularmente no eixo fundamental que é a rua de S. Roque da Lameira.

O padre Agostinho Rebelo da Costa confirma esta ideia quando diz que «0s ingleses, franceses, holandeses, hamburgueses, e outras famílias estrangeiras comerciantes, são os que arrendam estas quintas, e nelas vivem a maior parte do ano; mas os portugueses reservam para o seu uso e divertimento as melhores, e as mais custosas» (13).

De facto, a diversa documentação consultada, fornece-nos numerosas referências acerca das quintas, casais e outras propriedades. A título de exemplo, enumeremos algumas das propriedades existentes em Campanhã, cuja área de enfio era consideravelmente maior do que aquela que os limites actuais consagram.

Assim temos: Quinta de Miraflores, de Lueda (Noeda), de Benjói (Bonjóia), de Sacais, da Vinagra (ou Vinagreira), da China, da Revolta, da Arcaria, do Valado, da Bela Vista, do Falcão, de Furamontes, de Salgueiros, da Vessada, do Prado, do Freixo, do Pinheiro, de Vila Meã, de Allen, das Lamesinhas, da Colmeeira, etc.

É claro que a maioria destas quintas não existe actualmente.

Ao explendor e à opulência seguiu-se um período de decadência e abandono.

Algumas foram englobadas noutras propriedades, outras mudaram de nome, mas a maioria desapareceu sacrificada ao martelo do progresso e à incúria dos homens.

Estas quintas para além de constituírem um valioso património natural (e edificado), são também importantes em termos da defesa da qualidade ambiental da cidade.

Por razões de ordem especulativa e sócio-económica, têm-se assistido nos últimos anos à expansão da cidade nas freguesias periféricas, destruindo-se assim o substracto rural da cidade e, em última análise, o precário equilíbrio ainda existente. Campanhã não foje à regra. Actualmente são raríssimos os casos de famílias que sobrevivem da agricultura, mas é ainda relativamente fácil encontrar pessoas que se lembram de «isto ser quase tudo campos».

Apesar de tudo ainda subsistem algumas manchas verdes correspondentes a quintas e vales que merecem e devem ser preservados.

É, pois, urgente e necessário identificar estes valores e promover a sua salvaguarda.

QUINTA DO FREIXO

A quinta do Freixo está situada na margem norte do Douro, tendo por limite anterior as fraldas do rio deste nome.

No seu interior foi erguido o magnífico palácio do Freixo que constitui, sem dúvida alguma, o conjunto monumental mais notável da Freguesia de Campanhã e a obra-prima por excelência de Nasoni no campo da arquitectura civil em Portugal.

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Palácio do Freixo

Esta quinta, cortada depois pela estrada marginal, era inicialmente de considerável extensão, abrangendo os terrenos em redor a ponto de englobar toda a actual quinta de Vilar d'Allen.

Em 1646, a propriedade pertencia já ao capitão António Pires Picão, morador em Miragaia.

Em 1671 seu filho, Roque Pires Picão, obtém a renovação do «prazo fateusim» da quinta que era foreira ao Cabido da Sé do Porto.

Uma filha deste fidalgo casa em 1683 com António de Távora de Noronha Leme Cernache, opulento fidalgo da casa real e senhor de numerosos bens. Mas é seu filho primogénito, D. Jerónimo, deão da Sé do Porto, provedor da Misericórdia do Porto e presidente da Irmandade dos Clérigos pobres, que virá a ser o grande impulsionador da quinta.

Dotado de grande temperamento artístico e possuidor de avultados recursos, D. Jerónimo de Távora, foi o responsável pela vinda de Nasoni da ilha de Malta para o Porto, pelo que as obras que o artista italiano viria a realizar na cidade, muito lhe devem.

Resolvendo edificar na sua quinta do Freixo um sumptuoso palácio de veraneio, encarregou para tal o célebre arquitecto italiano.

Embora fosse Nasoni quem gisasse a planta do palácio e orientasse a sua construção, o encargo das várias obras foi atribuído a diversos mestres.

A escritura de 5/12/1744, publicada por Domingos Pinho Brandão(14), estabelece o contrato de pedraria celebrado entre os mestres pedreiros António da Silva, «o mouco», Manuel Pereira e Pedro Pereira, este de Campanhã, por um lado e o Deão D. Jerónimo, por outro.

Em 8/6/1750 é lavrada a escritura referente ao contrato da obra de carpintaria(15), envolvendo o citado deão e o mestre carpinteiro José de Sousa Barros.

A análise destas escrituras permite-nos situar o início da construção do palácio por volta de 1742, ou mesmo antes.

Em 1744 ajustaram-se, pois, obras nos jardins enquanto continuava a obra de pedraria que deve ter acabado por volta de 1750, altura em que se iniciaram as obras de carpintaria.

Só depois é que se iniciaram as obras complementares como remates, estuques, pinturas, etc. . . .

Especial cuidado foi dedicado aos jardins que, talhados à moda italiana e povoados de esculturas alegóricas, iam até ao rio repartidos por arquitectónicas alamedas de balustres.

No desenho da planta, Nasoni foi influenciado pela disposição do terreno que ocupa um declive entre o monte e o rio Douro.

As referências acerca deste palácio são abundantes. A ele se referiram em termos elogiosos Rebelo da Costa, Pinho Leal, Américo Costa, Reinaldo dos Santos, entre outros.

Por isso não nos alongaremos muito mais acerca dos pormenores arquitectónicos, aliás, exemplarmente descritos por Robert Smith(16).

O palácio é de planta quadrangular, com dois pisos e quatro torreões nos seus ângulos, cobertos com ardósia formando assim pirâmides.

As fachadas apresentam um desenho diferente em três níveis distintos, ditados pelos três terraços que ocupam. Esta variação de andares e riscos entre as várias fachadas, resultam num notável contraste, único em Portugal e que exemplifica os princípios demonstrados mais tarde no Petit Trianon, em Versailles.

As fachadas nascente e sul são de grande efeito arquitectónico. A primeira com larga e grandiosa escadaria abalaustrada conduz-nos ao andar nobre, a segunda, dominando o rio abre para os jardins.

E é precisamente do rio Douro que se obtém uma visão do palácio em todo o seu explendor.

Esculpidas em várias partes do edifício encontram-se as armas dos Távoras, constituídas por um golfinho circundado por uma coroa de marquês.

Na sequência do processo movido pelo Marquês de Pombal à antiga nobreza e designadamente aos Távoras, o palácio, já enfio decadente, passa para a posse dos Viscondes de Azurara.

Em 1850 o 2.° Visconde, Jorge Salter de Mendonça vende-o por quinze contos a António Afonso Velado, opulento comerciante da praça do Porto, que o rei D. Luís viria a agraciar com os títulos de Barão do Freixo (3/l0/l865) e Visconde do Freixo (1/8/1872).

0 novo proprietário enceta enfio obras de reparação e conservação tendo gasto «para cima de 50 contos de réis», mas ao mesmo tempo altera completamente o interior e descaracteriza as fachadas com a aplicação de lousa e cimento, tendo chegado ao cúmulo de instalar nos jardins uma fábrica de sabão.

0 velho escudo dos Távoras foi picado, cedendo lugar ao emblema heráldico do novo proprietário, cuja leitura é a seguinte: (17)

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Brazão do Palácio do Freixo

Composição - Partido

Classificação - Heráldica de Familia

Leitura - Afonso-Velado e Cunha com timbre do primeiro.

Elmo sem paquife e escudo desproporcionado. Algumas das cores são indicadas.

Nesta altura o palácio torna a viver um período áureo. A sua sumptuosidade e magnificência vão ficar célebres aquando da recepção aí feita à família real que se tinha deslocado ao Norte para inaugurar os trabalhos da linha do Minho em S. Roque da Lameira. Este acontecimento é descrito em pormenor pelo jornal «0 Comércio do Porto», n.° 152, em Julho de 1872.

Este assomo de explendor, foi no entanto, efémero. Após o falecimento do Visconde, sua viúva vendeu o palácio e propriedade anexa a um súbdito alemão chamado Gustavo Nicolau Alexandre Peters, que, mesmo ao lado do majestoso edifício montou uma destilação de cereais que prejudicou ainda mais o belo palácio.

Em 1/3/1890, e na sequência de um grande incêndio que devorou a destilação, foram o palácio e a parte da quinta vendidos a José Maria Rodrigues Formigal, enquanto a outra parte era adquirida por outros particulares. Mais tarde uma nova sociedade comprou a casa e o terreno por 19 contos ficando o conjunto a pertencer à Companhia de Moagens Harmonia.

0 imóvel foi entretanto sofrendo danos irreparáveis.

0 tardoz do Belverde e o portal por debaixo dele foram entaipados. Em 1924, o belo portão da entrada foi vendido e deslocado para uma quinta em Vitorino de Donas em Ponte de Lima. Classificado como monumento nacional em 1910, só em 6/4/1949 foi fixada a respectiva zona de protecção o que de nada serviu pois nas décadas de 50/60 foram ai construídos enormes silos e outras instalações da moagem.

Nos primeiros anos da década de 70, a sua aquisição pela C. M. Porto esteve eminente, mas a oportunidade gorou-se.

A Câmara veio a adquirir, no entanto, toda a faixa entre a estrada e o rio numa extensão de 300 m de frente por 100 m de largura.

Em 1986, a Secretaria de Estado de Emprego e Formação Profissional, comprou o palácio às «Moagens Harmonia», para aí instalar um centro de formação. Mas durante todo este longo percurso e de uma forma incompreensível, o palácio do Freixo continuou a ser alvo de um desrespeito contínuo pelo património.

Há cerca de 3 anos um grupo de marginais albergados no seu interior provocou um incêndio que vibrou um golpe irreparável nos seus interiores. A maior parte do espólio artístico desapareceu.

A conservação apresenta-se, pois, cada vez mais difícil. Há poucos meses iniciaram-se obras de restauro pondo fim a uma certa negligência.

Têm sido aventadas várias hipóteses respeitantes à futura utilização do palácio, porém o cenário actual é de impasse, pelo que urge resolver definitiva e claramente a situação, a fim de evitar a (irreparável ?) asfixia de tão importante jóia da melhor época barroca.

QUINTA DA REVOLTA

A Quinta da Revolta confronta a norte com as Cavadas (propriedade que já em 1851 pertencia aos Senhores da Revolta), a nascente com a Calçada de S. Pedro, a sul com a Rua do Freixo e a poente com o Rio Tinto.

A designação de Revolta teria origem, segundo nos afirmaram, numa revolta que por ali se teria dado durante as invasões francesas, ou no reinado de D. Maria.

Mas esta explicação não é plausível pois já em 1690 é referido um tal Alvo Brandão, morador na Quinta da Revolta.

Afigura-se-nos que a designação se deve provavelmente à disposição da própria quinta. Com efeito, na planta da zona onde se situa a propriedade é visível a existência de uma curva pronunciada (volta) e de uma contra volta (re-volta).

Actualmente, a quinta é mais conhecida por Horto do Freixo ou pelo nome de família dos actuais proprietários, Moreira da Silva.

0 palacete ocupando uma área que se desenvolve «grosso modo» em L, é o resultado de diferentes épocas de construção e de diversos restauros e acrescentamentos, como se pode constatar através de uma observação detalhada de várias partes que constituem o corpo do edifício.

Assim sendo, é de considerar a possibilidade, numa primeira fase, o edifício remontar aos séculos XIV, XV ou mesmo antes, todavia só uma investigação arqueológica mais aprofundada nos poderia elucidar acerca desta e de outras questões.

Não nos deteremos em pormenor na descrição das diversas divisões da casa, o que seria algo fastidioso; não queremos, no entanto, deixar de referir a Capela dedicada a N. Senhora da Conceição e que já existia, pelo menos, em 1758.

Esta capela tem a precedê-la um pequeno pátio gradeado.

A sua fachada barroca é extremamente simples, sem devaneios ornamentais.

A porta de madeira é encimada por um frontão curvo sobre o qual se abre um janelão. A parte mais alta da cornija é dominada por dois coruchéus, assentando no plinto uma cruz trilobada.

A fachada da retaguarda tem um campanário sem sino, encimado por uma cruz idêntica à da fachada principal.

A nave, hoje deteriorada, tinha um lambrim de azulejos policromos do século XIX. 0 retábulo do altar, separado da nave, é em talha branca e dourada. Em cada um dos lados do altar existe uma janela que conjuntamente com o janelão gradeado acima referido, iluminam a capela.

Actualmente esta capela particular encontra-se encerrada e em progressivo estado de decadência.

0 grande espaço murado da quinta conserva três entradas: a primeira à face da R. do Freixo com um portão de ferro, a segunda subindo a Calçada de S. Pedro e que dá para o átrio da capela e a terceira constituída por um belo portão armorizado que dá para o pátio interior da casa senhorial onde há um jardim de baixo anão e um poço a meio; do lado direito, junto ao muro, um pequeno chafariz, com a forma de uma boca de leão, ainda é visível, bem como um tanque.

Este portal constitui mesmo um dos grandes motivos de interesse da casa.

A pedra de armas que encima o referido portal (séc. XVIII) é muito ornamental (estilo rocaille), revelando um bom trabalho do lavrante, mas um fraco desenho heráldico.

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Quinta da Revolta - Brazão

A sua leitura é a seguinte:

Composição - Partido, sendo o 1.° cortado.

Classificação - Heráldica de Família.

Leitura - Alvo, Brandão e Azevedo, Coronel de Nobreza.

É muito antiga a família dos Alvos, existindo várias referências pelo menos desde o séc. XIII.

Eugénio A. Cunha e Freitas diz que Simão Alvo, filho de Gonçalo Alvo, «sucedeu no Prazo de Campanhã e mais Casas de seus pais» (18).

A Simão sucedeu Pantaleão Alvo Godinho, nascido em Campanhã e procurador às Cortes pela cidade do Porto em 1640. Falecido em 1661, deixa em testamento a Quinta de Campanhã a seu filho, Simeão, que tinha entretanto casado (1659) com Isabel Maria Brandão Perestrelo, entrando assim os Brandões na família.

Em 1672, o referido senhor faz com o lavrador Domingos Gonçalves, morador na aldeia de Fatum em Campanhã, uma troca de campos para acerto dos terrenos contíguos à quinta.

No início do século XVIII, os Azevedos ligam-se à família dos Alvos através do casamento de Pantaleão Alvo Godinho Brandão Pereira Perestrelo com Maria Azevedo.

Um dos filhos deste casal, .José Alvo Godinho Brandão Pereira Perestrelo de Azevedo, herdará (por renúncia do primogénito) a casa senhorial de Campanhã.

Por sua vez, em 1800, uma sua filha casa com o 2.° Visconde de Balsemão, entrando assim a quinta da Revolta na posse da família Pinto de Sousa Coutinho (Viscondes de Balsemão).

Em 1851 a quinta è subemprazada devido ao estado de degradação a que chegara por desleixo dos caseiros, visto que á já não residiam os Viscondes.

Achamos curioso reproduzir partes da escritura de subemprazamento de 28/7/1851: (19) «ltem se compõem de uma Capela, e uma magnífica Casa de Campo, constando de várias salas, e seus quartos e gabinetes, logeas e várias casas de arrumação e para serviço de lavoura e gado (... ) Quinta que toda se acha circuitada com um bom muro, compreendendo moinhos, lameiras, pomares, ramadas, hortas e jardins regado com água de uma nora que se acha no pateo da mesma Quinta (...) que principiava na mediação do cunhal direito para norte até chegar à parede divisória do Campo do Pecegueiro 104 varas, continuando a medição em volta por dentro do muro paralelo ao ribeiro até chegar à Ponte grande tem 322 varas e d’ahi à face da estrada até onde finda tem 60 varas e deste ponto e caminhando por fóra do muro até chegar ao cunhal onde a medição principiou tem mais 68,5 varas completando ao lado 604,5 varas».

Tinha ainda algumas propriedades anexas algumas das quais (Campo das Cavadas, Pecegueiro e Devesa) ainda hoje são pertença do actual proprietário da quinta.

Mas voltemos a 1851. Vimos que o subemprazamento se destinava a acabar pelo menos, a atenuar a crescente degradação da quinta.

A solução, porém, não teria resultado porque em 15 de Março de 1866 a Revolta é vendida a José Duarte de Oliveira, próspero homem de negócios da praça do Porto, por seis contos de réis em metal.

Em 1919, o proprietário é agora seu filho, José Duarte de Oliveira Júnior, viticultor e escritor agrícola notável. Refira-se que por esta altura a quinta chegou a dar 300 a 400 pipas de vinho.

Em 20 de Janeiro de 1920 foi acordada a venda da propriedade, entretanto liberta dos ónus a que estava sujeita, que seria paga em duas prestações totalizando a quantia de 8000$00.

Finalmente, a 8 de Março de 1921, após o pagamento da segunda prestação (3 000$00), é lavrada a escritura de quitação entrando a propriedade na posse da Firma de horticultura e floricultura, Alfredo Moreira da Silva & Filhos, L.da., onde ainda hoje se encontra.

Refira-se que, em 4 de Dezembro de 1924, a propriedade foi enriquecida com a compra de uma parcela de terreno em Bonjóia, contígua à quinta do mesmo nome, e enfio adquirida à família Brandão de Melo.

Actualmente a quinta mantém sensivelmente o mesmo perímetro de 1851, o que equivale a uma superfície aproximada de 3 hectares. Aqui estão instalados um horto, centro de jardinagem e viveiros, ocupando os serviços técnico-administrativos da dinâmica empresa de horto-floricultura parte da casa da quinta.

A terminar não queriamos deixar de reproduzir as palavras de Catarina Reis:(20) «Creio que se prestaria um serviço útil ao património histórico e artístico da cidade se fossem accionados os meios técnicos e económicos para o restante e preservação de um imóvel que nos parece ter ainda muito para contar e que apresenta excelentes condições de aproveitamento para múltiplas finalidades».

QUINTA DE VILAR D'ALLEN

Situa-se esta frondosa quinta na ma do Freixo, no sítio também conhecido por Campanhã de Baixo.

A designação de Vilar d'Allen foi dada a um conjunto de várias propriedades constituídas pelo núcleo da antiga quinta da Arcaria (também chamada Fábrica Nova) e vários terrenos contíguos, nos Montes de Além e Fonte Pedrinha.

Adquirida a quinta em 1839 por João .Allen, imediatamente se iniciou a construção do palacete que serviria para residência de Verão. Isto mesmo é testemunhado por um pequeno painel de azulejo existente por cima da porta traseira do palacete e onde para além do já referido ano de edificação da casa se podem ler o nome do proprietário, João Allen e sua mulher, D. Leonor Amsink Allen.

Em 1869, foi a propriedade acrescida pela compra da quinta de Vila Verde e, três anos mais tarde, foi a vez da quinta da Vessada ser integrada no património da família. 0 palacete da quinta, embora majestoso não apresenta pormenores arquitectónicos dignos de realce.

Já os jardins e a frondosa mata merecem algum destaque. Com efeito, os jardins planeados e executados por João Allen e sobretudo por seu filho, Alfredo Allen, granjearam justificada fama em todo o burgo portuense.

Alfredo Allen, notável paisagista (foi o responsável pelos jardins da Cordoaria e do Palácio de Cristal) e botânico (foi um dos grandes impulsionadores de exposições nos campos da Torre da Marca e no já referido palácio) introduziu nos jardins vários elementos então muito em voga e que. ainda hoje subsistem, embora sem o explendor de outrora.

Mas ainda vale a pena apreciar a balaustrada, fontenários, cascatas, arcadas, o torreão e deleitar-se com os repuxos, lagos. e pontes existentes.

Chamou-nos ainda à atenção um pedestal, um fogaréu e um jarro de frutas, esculpidos em granito e de traça bem delineada.

É natural que tão sólidos conhecimentos (teóricos e práticos) de horticultura e jardinagem se traduzissem na introdução de novas variedades de plantas, árvores e arbustos.

Algumas foram mesmo introduzidas pela primeira vez em Portugal. Particularmente famosas foram as camélias desta quinta que participaram em várias exposições e que obtiveram importantes prémios.

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Quinta Villar de Allen - Brazão

Ainda hoje funciona na quinta um horto particular, o horto de Vilar d'Allen que de certo modo é o responsável pela preservação deste importante património natural.

A concluir vamo-nos deter sobre o belo portão de ferro situado na principal entrada da quinta.

0 portão ostenta no cimo um pequeno brasão em ferro representando os símbolos heráldicos dos Allen:

Composição - Pleno.

Classificação - Heráldica de família.

Leitura - Allen.

0 elmo é coroado com timbre e sem paquife. 0 escudo é inglês.

Refira-se que a quinta ainda se encontra na posse desta família, sendo o actual residente o Sr. José Alberto Manuel Gouveia Allen.

QUINTA DAS AREIAS

Esta enorme extensão de terreno onde actualmente funciona o Horto municipal, situa-se entre a rua das Areias, travessa das Areias e a travessa das Águas Férreas no lugar de Azevedo em Campanhã.

Era esta a antiga quinta de Furamontes ou Casal da Capela, cuja referência mais antiga que encontramos remonta ao século XVIII. Seria então proprietário do referido Casal um tal Miguel de Amaral, não tendo sido possível, no entanto, averiguarmos mais elementos significativos.

Propriedade particular permaneceu até 1937, altura em que passou para a posse da C. M. Porto.

Os proprietários de então eram o Dr. Alberto Maria Ribeiro de Meireles e Irmão.

A área da Quinta estava nesta altura dividida por três caseiros - Joaquim Pinto Alves, Joaquim Pereira e Joaquim Alves Leite - sob a direcção de um feitor.

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Quinta das Areias - Horto

As casas dos referidos caseiros e respectivas famílias, ainda hoje existem embora transformadas e adaptadas a outras funções.

Não descortinamos vestígios de qualquer casa ou palacete senhorial.

Os proprietários, possuidores de vastas propriedades na região do Douro, não tinham aqui residência, sendo representados pelo referido feitor. Esta impressão foi-nos confirmada por um antigo trabalhador nesta quinta.

Os vários campos de cultivo, leiras, etc., produziam quantidades apreciáveis de milho, feijão, centeio, vinho, frutas e legumes.

Possuía esta quinta uma antiquíssima capela (1758) dedicada a Nossa Senhora do Pilar, demolida após a compra pela C. M. Porto e reconstruída no bairro de casas económicas do Amial.

Ainda hoje se pode observar o local onde existia essa capela, local esse demarcado por uma cerca de sebes e assinalado pela existência de uma cruz em granito onde é visível o pequeno nicho destinado à lamparina de azeite.

Foi-nos ainda dito que há bastantes anos atrás, e neste mesmo sítio, foram encontrados restos de ossadas humanas no decurso de trabalhos de revolvimento de terras.

Como já referimos, em 2 de Dezembro de 1937, foi a quinta expropriada pela C. M. Porto numa parcela única com a superfície de 67 256 m2, recebendo a família Meireles a quantia de 200 000$00.

A escritura lavrada incluía igualmente a posse de uma grande mina de água que se prolongava no sub-solo da estrada das Areias à Portelinha, ficando a Câmara com o direito à água cinco dias por semana.

Nos difíceis anos da 2.ª guerra mundial a quinta ainda produziu vários géneros de primeira necessidade, destinados ao Colégio #os 0rfãos e outras instituições públicas.

Mas o seu destino estava já traçado, sendo aí progressivamente instalados os viveiros municipais.

Em 1969 constrói-se um incenerador de cães, em 1971 uma moderna estufa no valor de 199 438$00 e em 1972 um abrigo para plantas que orçou em 438 965$00.

0 horto municipal da quinta das Areias é actualmente um dos melhores do país, possuindo importantes espécies arborícolas e hortícolas e provindo os parques e jardins da cidade do Porto com os necessários exemplares.

Tivemos oportunidade de o percorrer demoradamente, podendo assim constatar «in loco» as excelentes potencialidades oferecidas como área privilegiada de lazer.

Pena é que a fruição deste magnífico espaço, desconhecido da maioria da população da cidade, seja bastante difícil, pois o acesso ao horto é reservado.


Notas

(13) «Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto» (obra citada na bibliografia).

(14) 0 referido documento encontra-se transcrito em «0 Tripeiro» do ano de 1987 (obra citada na bibliografia). 0 original encontra-se no A.D.P. (P 9, 3.ª série, n.° 62, fls. 66-66 V.).

(15) Publicado por A. de Magalhães Basto (obra citada na bibliografia).

(16) Na sua obra magistral, Nicolau Nasoni: arquitecto do Porto.

(17) Além do Armorial Lusitano, utilizamos amiúde a obra de Armando Matos (ver bibliografia) ; por esse facto, a maioria das análises heráldicas utilizadas neste trabalho, têm por base a referida obra.

(18) Famílias do Porto, vol. 3, fl. 1

(19) Certidão de subemprazamento existente no arquivo particular de Moreira da Silva.

(20) Obra citada na bibliografia, pág. 21.


(continua)


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