Júlio Costa (*)

 

PARTE III

 

PATRIMÓNIO

NATURAL

E EDIFICADO

 

(*) Licenciado em História pela FLUP


Pareceria tarefa ingrata, à primeira vista, descrever o património actual de Campanhã.

A simples evocação do nome da freguesia, hoje, traz-nos ao espírito apenas um cais ferroviário de chegada ou partida do Porto e, quando muito, um conjunto de ruas urbanisticamente pouco características em que do se destaca nenhum monumento artístico de grande envergadura excepção feita, sem dúvida, ao palácio do Freixo.

Mas se percorrermos com mais detença e se investigarmos com maior rigor esse mesmo património, somos brindados com algumas descobertas surpreendentes: mais do que recensear um punhado de curiosidades arquitectónicas, acabamos por mergulhar no rico passado da freguesia e, por ele, em aspectos essenciais da vida portuense de antigamente.

Comecemos por esclarecer que por património de um lugar não entendemos apenas a imponente catedral ou a espectacular obra de arquitectura.

Edifícios ou vestígios há, bem mais modestos, porventura, que se não vão ocupar um espaço destacado na história da arte pela marca do génio do respectivo autor, tiveram e têm, para os habitantes locais, muito maior significado e importância quotidiana.

São património também.

Começaremos precisamente pelos equipamentos vitais para a cidade (para a região) : a Estação de Caminho de Feno de Campanhã, sem dúvida, olhada desta vez em si, na sua dimensão monumental, e não como mero ponto de passagem.

Não menor importância no quotidiano portuense pode reivindicar, sem contestação, o matadouro industrial do Porto, construído já no nosso século, que poucos conhecem mas de que quase todos beneficiam.

A descrição dos equipamentos concluir-se-á com uma viagem ao Centro Juvenil de Campanhã e ao maior centro desportivo lúdico da cidade - o Estádio das Antas.

Em lugar de destaque encontra-se, normalmente, o património religioso, sede de uma dimensão essencial e quase intemporal do viver humano.

Resta-nos, em Campanhã, um punhado de templos, dos séculos XVIII e XIX, que não são a única sede da religião popular, já que um bom número de alminhas e cruzeiros, encastoados em recantos inesperados, dão testemunho de modos mais antigos (mais sinceros?) de as pessoas simples viverem com simplicidade o seu deus.

As grandes novidades vêm, no entanto, das quintas, das numerosas, lindíssimas e, hoje, infelizmente, mal conservadas quintas. Cada uma destas quintas era, em si mesmo, um admirável repositório de património: o imponente solar ou majestosa casa apalaçada, elegantes capelas, bonitas pontes, harmoniosos jardins, orgulhosas pedras-de-armas a contar do nome da linhagem nobre ou da opulenta e respeitável familia burguesa; tudo traços de uma vida confortável e pacata de destacados habitantes do Porto oitocentista, de um quotidiano quase rural, tão longe da vida dos nossos dias. Talvez por isso muitas foram pura e simplesmente apagadas, e as sobreviventes se apresentem em precário estado de conservação. Elas são, no entanto, do mais valioso e do mais belo que Campanhã tem, elas são preciosas para se escreverem páginas essenciais para a história do Porto e do País.

Urge pois salvar este património inestimável cuja ameaça de extinção paira no ar.

Porque não corrigir o Plano Director criando, como propôs o arquitecto José Carlos Loureiro(1), uma área de lazer na zona oriental da cidade, enquadrada nos vales dos rios Tinto e Torto e limitada a Sul pelo Douro?

Essa área englobaria um conjunto de pequenos parques, correspondentes às quintas existentes, disseminados pelo perímetro urbano.

Protegia-se assim uma paisagem rara no âmbito da cidade, criava-se um espaço de lazer nesta zona oriental em contraponto com o chamado Parque da Cidade na zona ocidental, e proporcionava-se, --através da fruição desse espaço, uma melhoria da qualidade de vida dos portuenses. ''

Comecemos então a nossa viagem pela freguesia. E de maneira mais própria: pela Estação. .


Notas

(1) Obra citada na bibliografia, pág. 19.


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