11 0 CONCELHO DE CAMPANHÃ (1834-1836) A urgência de ganhar adeptos para a causa liberal e a preparação de reformas que implantassem o novo sistema de valores, conduziu a que, ainda na Ilha Terceira, fosse elaborada legislação no âmbito administrativo e judicial. Dos decretos de 16 de Maio de 1832, destaquemos o n.° 23, da pasta da Justiça e da Fazenda, a cargo de Mouzinho da Silveira. Divide o Reino de Portugal em Províncias, Comarcas e Concelhos, divisão que foi mantida por Silva Carvalho pelo Decreto n.° 65 de 28 de Junho de 1833: os concelhos da comarca do Porto passam a 23, surgindo entre eles o concelho de Campanhã. Tal acto radicava na tradicional autonomia do couto episcopal, autonomia que o ideário liberal incrementou à partida. Elevada assim à categoria de concelho, Campanhã passa a eleger, nos termos daquele Decreto, as novas autoridades locais: o Provedor e a Câmara Municipal, formada por um Presidente, um fiscal e um vereador. Tomarão posse em 21 de Maio de 1834, no Lugar de Noeda, no sítio chamado da Audiência. Registemos os cargos e quem os ocupou.
Observe-se a transitoriedade dos cargos, não obstante recaírem quase sempre sobre os mesmos indivíduos, com destaque para Manuel Francisco Coelho. Competia à Câmara a nomeação de comissários e cabos policiais. Judicialmente, o concelho constituía um julgado, do distrito judicial de Santa Catarina, elegendo, assim, juiz de paz e juiz pedâno (que julga «de pé»). Ambos eram eleitos indirectamente. Do conjunto dos moradores, apuravam os «jurados» aqueles que podiam votar e ser votados: «cidadãos portugueses estando no pleno exercício dos seus direitos políticos, sendo moradores e tendo de renda anual 200000 reis líquidos ou, nos meios menos notáveis e aldeias 50000 reis». Exceptuam-se «magistrados, militares, eclesiásticos em efectivo serviço, empregados pelo poder executivo ou fazenda pública, os que por causa física ou moral estiverem impedidos, os jornaleiros, os criados de servir, os mendigos e os que não têm modo de vida conhecido» (1). Deviam ser eleitos no último Domingo de Junho de cada ano. O círculo eleitoral reunia, pelas lo horas da manhã, na igreja da freguesia. A relação das que foram apuradas pelos jurados, em Campanhã, em 7 de Abril de 1834, para a votação do juiz de paz e pedâneo é constituída por 258 pessoas. O concelho de Campanhã, segundo informação oficial de lá de Julho de 1835, era composto por l150 fogos (2). A percentagem de 22,4% de cidadãos politicamente «activos» ilustra bem o alcance do sufrágio censitário adoptado pelos liberais: mais de 3/4 da população, já não considerando mulheres e jovens, estavam excluídos da possibilidade de participação política, mesmo que local. Também a organização da Guarda Nacional do Concelho estava sujeita ao critério do rendimento anual de 100 000 reis (3). Conhecemos a lista dos cidadãos mais votados na Eleição do Estado Maior do Batalhão da Guarda Nacional da Freguesia e Concelho de Campanhã(4) datada de 5 de Janeiro de 1837, que se segue.
Quanto à Câmara Municipal, as listas dos cidadãos apurados para eleição dos seus membros, em simultâneo, nos dois primeiros casos, com os da Guarda Nacional, são datadas de 4 de Outubro de 1834, 23 de Maio de 1835 e 30 de Janeiro de 1836. Nestas três eleições o direito de voto foi usado por 43, 54 e 93 indivíduos, o que fornece taxas de abstenção de 88, 75, 7 e 66fl respectivamente. Assim, à efectiva redução do número de eleitores por insuficiência de rendimentos, vem somar-se a realidade do abstencionismo. Em 1835 são alteradas as designações de alguns cargos, mantendo-se-lhes basicamente as funções: o Administrador do Concelho substitui o Provedor(5), os Comissários da Paróquia substituem os Comissários e Cabos da Polícia(6). A administração judicial também sofre alterações. O concelho de Campanhã, até então julgado, é integrado, apenas como concelho, no julgado de Santa Catarina, até enfio distrito judicial(7). A eleição dos Deputados às Cortes Gerais era indirecta. Apurados os cidadãos activos (rendimentos mínimos de 100$000 reis), estes elegiam, em Assembleias Paroquiais, os eleitores de Província (com rendimentos de 200$000' reis ou mais) que, por sua vez, em Assembleias Provinciais, elegiam os representantes da Nação (rendimentos superiores a 400$000 reis). Organizavam-se assim três listas: os que tinham direito de voto em Assembleias Paroquiais, os que podiam ser Eleitores de Província, e finalmente, os que podiam ser Deputados. No concelho de Campanhã tais listas, referentes a lo de Julho de 1836, são compostas por 200 cidadãos com voto na eleição da Câmara e Administrador do Concelho;'164 cidadãos com voto na eleição de eleitores provinciais, 23 cidadãos que podem ser eleitos eleitores provinciais e, selecção máxima, 5 cidadãos que podem ser eleitos deputados da Nação. Anotemos os nomes e as profissões constantes das últimas listas (8):
Temos assim uma elite política constituída, em Campanhã, por 60% de lavradores, confirmada pela lista dos elegíveis como Deputados. Significativa também a paridade entre eclesiásticos e proprietários (17%). Seis elegíveis como eleitores provinciais surgem entre os dez cidadãos mais colectados no Concelho de Campanhã, no mesmo ano de 1836:
Francisco Rodrigues Chaves, vendeiro Rua do Bonfim José Maria Pinho Ribeiro Rua de Saces Felix José Dias Carvalho, proprietário Salgueiros José António de Araújo, lavrador Ribeirinho (Tirares) José Pinto Ferreira, lavrador Azevedo Manuel Gonçalves, lavrador Granja Manuel Ribeiro de Almeida, lavrador Campanhã de Baixo Manuel Pinto. Lavrador Vila Flor Manuel Lourenço Dias, lavrador Noeda José Alves Maturra, (?) Noeda
Ora, na sequência dos acontecimentos revolucionários de Setembro de 1836, ocorridos em Lisboa aquando da chegada dos deputados oposicionistas do Porto, são dissolvidas as Cortes e convocadas novas eleições gerais. De acordo com o relativo ascendente político daquela forma conseguido pela facção vintista, o Decreto de 8 de Outubro de 1836 não impõe, no eleitorado, restrições com base nos rendimentos. Nesta eleição eram excluídos de votar os menores de 25 anos, ou os casados com menos de 20, os filhos de famílias que estivessem em poder ou companhia dos Pais, os criados de servir e os vadios. Desta vez, as eleições são directas: a Assembleia de Campanhã elegerá os seus Deputados. Sigamos a orientação de voto a partir da Acta da Eleição que passamos a transcrever: ACTA «Anno do Nascimento de nosso Senhor Jesus Christo/ de mil oito centos trinta e seis, aos vinte e hum dia/ do mês de Outubro, digo, de Novembro, nesta Igreja / Matriz ahi parante a Meza Leiteral compos / ta do Presidente da Câmara Municipal deste Concelho de Campam Manoel/ Pereira e dos Escortinadores António Martins da Luz e Francisco/ José António Guimarães e Secretários José António da Motta/ e José Pereira Martins, Estando prezente o Reverendo Parocho/ desta freguesia Manuel Joaquim Correia da Silva, na forma / do decreto de oito de Outubro próximo findo re / onhidos os sidadoins botantes em Assembleia/ Geral, para a Aleição dos Deputados as Cortes Ge / raes Extrodeinarias e constituintes Da Nação Protugueza e procedendo-se Anuma / ração das Listas e sua Comfrutação com a / Marticulla se acharão cento e vinte e seis/ depois de recebidas e prosseguindo-se na mesma Eleição por escurtino sacretto, e afinal / apurados os vottos e publicada a botação ficarão/ Eleitos Manoel da Silva Pastos com cento e vinte e seis vottos.
José Pinto Soares com cento e vinte e quatro vottos. Visconde de Sá da Vandeira com cento e vinte e quatro vottos António Manuel Lopes Vieira de Castro com cento e dezasseis vottos João Manuel de Teixeira de Carvalho com cento e quatro vottos José Henriques Ferreira com noventa e hum votto Lionel Tavares Cabal com sessenta e três vottos José Ferreira Pinto Basto com quarenta e quatro vottos Conde de Lumiares com quarenta e três vottos Francisco da Rocha Soares com trinta e oito vottos Brenardo Joaquim Pinto com trinta e hum volto. António Paiva Correia da Silva com trinta vottos José Joaquim da Silva Pereira com trinta vottos Francisco José Pereira da Silva com vinte e sente vottos Felipe Ferreira de Araújo e Castro com vinte e hum vottos António Ferreira de Campos Freire com vinte vottos João Pereira Baptista Soares com dezanove vottos José Homem Correia Telles com dezoito vottos João Goalberto de Pina Cabral com quatorze vottos António da Costa Paiva com treze vottos António Fernandes Coelho com oito vottos José Maria Ribeiro Pereira com cinco vottos António Ribeiro da Costa com quatro vottos José Henriques Soares com dois vottos José Teixeira Pinto Basto com dois vottos, Joaquim Beloso da Cruz com dois vottos Júlio da Silva Sanches com dois vottos António Joaquim Barjona com hum votto Manoel Teixeira de Carvalho com hum volto Custódio(?) Teixeira Pinto Basto com hum votto e Joaquim Soares com hum votto
Francisco José António Guimarães, escortinador António Martins da Luz, escurtinador José Pereira Martins, secretário José António da Motta, 1836, secretário» Sem restrição censitária, a lista dos cidadãos eleitores, datada de 27 de Outubro de 1836, passa a ser integrada por 660 eleitores, cerca de 57% dos fogos indicados no ano anterior, muito longe ainda, portanto, do sufrágio universal alcançado apenas no século XX. Votaram 126 cidadãos ou seja, 19% dos inscritos. (1) Decreto de 16 de Maio de 1832, artigo 18.° (2) Lei de 25 de Abril de 1835, Decreto Complementar de 18 de Julho de 1835. Se bem que fogos e cidadãos sejam conceitos obviamente distintos, consideramos que a exclusão de mulheres e jovens do direito de voto, viabilizaria, grosso modo, os cálculos meramente aproximativos que apresentamos. (3) Decreto de 29 de Março de 1834 e Circular de 28 de Novembro de 1835. (4) AHMP 4994(5) (5) Lei de 25 de Abril de 1835. (6) Decreto de 18 de Julho de 1835. (7) Decreto de 21 de Março de 1835. (8) AHMP 4991(4) e 4991(7). (9) AHMP 4976 (82.a). (10) AHMP 4976 (72.a). (11) AHMP 4986 - A lista está organizada, grosso modo, por ordem alfabética. (continua) |